Lesões durante a corrida

Lesões durante a corrida

As lesões durante a corrida minam seu desempenho e, vez ou outra, o afastam da corrida. Saiba como e porque surgem as lesões mais comuns entre corredores – E aprenda a evitá-las!

Uma das frases mais conhecidas no esporte de alto rendimento sugere que a verdadeira luta de um atleta não é contra seus adversários, mas sim contra seu próprio corpo. O esforço repetido e a obsessão por resultados cada vez melhores fazem com que as lesões sejam percalços constantes nas trajetórias de uma parcela significativa dos esportistas de elite. Embora a intensidade dos exercícios seja menor em relação aos profissionais, atletas amadores também encaram as lesões como arqui-inimigas.

O aparecimento das lesões durante a corrida, muitas vezes, é reflexo da falta de planejamento que marca a prática da corrida para uma parcela significativa dos brasileiros. Estima-se que o Brasil tenha entre 5 e 6 milhões de corredores de rua – e a imensa maioria corre sem qualquer tipo de orientação. Por ser um esporte barato e de fácil acesso, muita gente “cai de paraquedas” na modalidade. Pessoas acima do peso que partem para a corrida sem supervisão castigam suas articulações e estão mais suscetíveis aos contratempos físicos.

“Quem disputa meia-maratona e maratona normalmente faz parte de um público que já está doutrinado. Ele tem uma assessoria, um grupo de corrida, uma planilha e um acompanhamento nutricional. Por outro lado, o ‘paraquedista’ corre 5 km e já começa a subir os volumes. Esse é o cara que vai ter problemas. Ele judia de articulações que não estão condicionadas a isso. A sobrecarga nos tornozelos, nos pés e na tíbia realmente é fatal. Quando alguém vai começar a correr, é raro procurar um médico do esporte logo de cara. O sujeito pensa: ‘Estou com 40 anos, vou começar a correr’. Talvez até passe num cardiologista, mas não visita um médico do esporte. Tem que ser uma coisa planejada, não de ‘paraquedista’”, afirma o ortopedista Sérgio Mainine.

Nos consultórios de ortopedistas e médicos do esporte, é comum ver pacientes acima do peso se queixando de dores após se arriscarem em situações que não condizem com o próprio físico e estabelecerem metas quase inatingíveis no esporte.

“As pessoas querem perder peso com um esporte que seja rápido e o mais prático possível. A corrida se encaixa perfeitamente nesse cenário. E é muito frequente ver as pessoas se machucando quando mudam bruscamente os seus hábitos. O segredo é ver qual é a sua meta e se ela cabe dentro do seu corpo. O mais importante é não desestimulá-la, e sim procurar uma atividade compatível para ela, como atividades na água e ciclismo, que têm uma capacidade aeróbica, envolvem queima calórica, mas não provocam tanto impacto no sistema ósseo”, afirma o ortopedista Pedro Pontin, da clínica esportiva paulista CareClub.

“O aparecimento das lesões, muitas vezes é reflexo da falta de planejamento que marca a prática da corrida”

Durante uma corrida, o impacto contínuo sobre as articulações é até três vezes maior que o peso da uma pessoa. Alguém que pesa 110 quilos e migra de repente do sedentarismo para o asfalto pode colocar sobre joelhos e tornozelos pouco ou nada preparados uma carga comparável a uma bomba-relógio: cerca de 330 quilos.

Corrida: Um esporte de risco?

Mas, afinal, a corrida é um esporte que lesiona mais do que os outros? Um estudo capitaneado por Jari Parkkari, do Centro de Pesquisas de Medicina Esportiva de Tampere, na Finlândia, garante que não. Os pesquisadores recrutaram aleatoriamente 3.657 finlandeses de 15 a 74 anos para checar quais eram os esportes que mais provocavam lesões. Do número total, 3.363 aceitaram participar de um acompanhamento de um ano, com exercícios físicos com mais de 15 minutos de duração a cada checagem.

O estudo confirma que esportes coletivos, como o futebol, o basquete e o hóquei, e modalidades que envolvem o contato direto com os adversários, casos das artes marciais, apresentam os maiores riscos de lesão para seus praticantes. De acordo com a pesquisa de Parkkari, a cada mil horas de corrida de rua, o número de lesões varia entre 2 e 4 – índice baixo omparado ao squash, que lidera a lista com uma taxa que gira entre 11 a 29.

Entre os 747 corredores que participaram do estudo conduzido pelo grupo de Tampere, foram 92 lesões registradas. Das 191 pessoas que jogavam futebol, 85 relataram contusões. Ou seja, mesmo sendo quase quatro vezes maior, o núcleo dos corredores sofreu quase o mesmo número de lesões dos boleiros. Para quem praticava basquete, a situação era ainda mais preocupante: 30 contusões para 59 pessoas.

“A corrida é extremamente saudável quando feita de maneira organizada. Embora eu receba muitos pacientes que são corredores, a corrida não é o esporte que mais lesiona. Diferentemente de outros esportes, na corrida há um movimento cíclico. Dificilmente o praticante tem fatores externos e incontroláveis que envolvam mudanças bruscas de direção ou entradas de adversários”, explica Pontin.

O último Diagnóstico Nacional do Esporte, pesquisa do Ministério do Esporte que coletou informações sobre práticas esportivas e atividades físicas, aponta que 90,3% dos 33.950 brasileiros consultados praticam esportes sem a orientação de um instrutor especializado.

O Excesso

Tão perigoso quanto a inatividade física de muitos “paraquedistas” que se arriscam na corrida depois de anos no sedentarismo, é o excesso que caracteriza os treinos e as provas de pessoas que se julgam bem condicionadas, treinadas e orientadas. Músculos bem definidos, tempos velozes no asfalto e uma dieta saudável não tornam nenhum atleta, seja ele amador ou profissional, imune a lesões.

Os excessos na corrida geralmente se manifestam pelos estiramentos musculares. A fibra se abre e, se a lesão não for grave, se estica como um elástico, sem chegar ao rompimento. A contratura muscular é o oposto do estiramento. Um desequilíbrio hidroeletrolítico – insuficiência de sódio, potássio, cálcio e magnésio, entre outros – leva a fibra a se fechar e favorece o aparecimento das cãibras, que podem ser vistas como um estágio menos avançado da contratura. Quem perde a mão na intensidade e na duração dos exercícios tem mais chances de se contorcer com as cãibras.

A ortopedista Ana Paula Simões explica que corredores e militares estão entre os grupos que mais sofrem com fraturas por estresse. Derivado de uma palavra inglesa, “estresse” está relacionado a “insistência”. Insistir em correr sem respeitar os dias de descanso ou a evolução gradual na modalidade aumenta a fadiga no corpo e as chances de sofrer uma fratura. Para chegar ao quadro de fratura por estresse, imagine o quanto essa pessoa não ‘bateu’ o osso no chão”, diz. “1 ou 2 dias de exercício é pouco. 4 a 5 é bom. Mais que 6 já preocupa. Impede a recuperação, não há descanso. Mesmo com uma capacidade atlética boa, tudo que é exagerado prejudica”, acrescenta o fisiologista Marcelo Aragão.

Ana Paula Simões percebe dois perfis distintos entre os atletas que dão mais passadas do que deveriam. O primeiro grupo é composto por pessoas muito ligadas à estética corporal. “As redes sociais fizeram com que o corpo fosse muito enaltecido. As pessoas recebem elogios, empolgam-se e forçam algumas situações”, afirma. Na segunda categoria listada pela ortopedista, estão os obcecados por endorfina, atletas que correm sem moderação, viram reféns do exercício físico e levam o corpo a situações extremas. “Endorfina vicia. A pessoa fica maluca por aquela sensação, só quer saber dos hormônios de prazer proporcionados pela corrida”.

Os viciados em endorfina são os que mais sofrem quando escutam dos ortopedistas que terão que se afastar do asfalto por algum tempo para que o tratamento da lesão seja concluído. “Tem muita gente que chora na minha frente quando eu falo para parar um pouco com a corrida”, revela o especialista.

Ultrapassar 75 minutos de exercício por dia caminha para um lado de superação, mas nada tem a ver com a melhora de saúde. Muito pelo contrário. Ou seja, se você é daqueles que não se dá por satisfeito com uma boa sessão diária de corrida, é melhor repensar seus hábitos.

Dor: Um sinal de que algo não está bem

Sempre em busca de resultados cada vez melhores, os obcecados por exercícios físicos só colocam o pé no freio diante de um elemento: a dor. Se a diminuição da atividade física e a analgesia não surtem efeito, o tratamento pede um período afastado das planilhas.

“A dor é um sintoma de lesão e deve ser respeitada. Às vezes, ainda não há nenhuma lesão, mas está próxima e a pessoa deve se afastar do exercício físico. A dor é a sinalização de que algo no corpo não está bem”, explica Aragão. “Já vi muita gente que, no início de uma lesão, não se abala com a dor, vai e treina forte de novo. Essa insistência traz tendinopatias, fraturas por estresse e rupturas nos músculos. O que vem a seguir é o afastamento do esporte, tudo o que a pessoa não queria inicialmente.”

O exagero na corrida pode levar a um processo inflamatório no joelho. Inicialmente, a dor ocorre após a corrida. “Na fase 1, a pessoa consegue correr. Depois que esfria, sente dor. Se não trata, vai chegar um momento em que a dor vem durante a corrida. A dor durante a corrida já começa a atrapalhar o rendimento desse indivíduo. É o que chamamos de fase 2. Quando dói no dia a dia, em atividades cotidianas, temos a fase 3. Atrapalha para descer escada e ladeira”, diz Moisés Cohen, responsável por operações em joelhos de boleiros famosos, como o corintiano Vampeta e o são-paulino Raí.

O estágio em que a realização de atividades cotidianas é prejudicada significa um alerta de que chegou a hora de agendar uma consulta médica e se afastar momentaneamente do esporte.

Biomecânica e o Surgimento de lesões durante a corrida

Você é daqueles que não dá muita bola para treinos educativos e ignora as recomendações do seu treinador para a correção de postura? Suas passadas descoordenadas podem custar caro lá na frente. A biomecânica é, ao lado do excesso de exercícios e do descondicionamento físico, umas das três principais causas para o surgimento de lesões.

Bons tempos em provas nem sempre vêm acompanhados de uma mecânica correta na hora das passadas. As correções podem trazer algum transtorno inicial e a queda nos seus tempos, porém garantem uma vida mais longa no esporte.

Clínicas esportivas oferecem uma filmagem que detecta os principais erros posturais do corredor sobre uma esteira. O objetivo é entender como surgem as lesões na corrida. Três câmeras captam 240 imagens do atleta por segundo sob vários ângulos – duas delas estão posicionadas nas laterais, além de uma atrás de quem está no foco das lentes. A filmagem é feita com o acompanhamento de um fisioterapeuta que, assim que o teste é encerrado, dá dicas para correção da postura e melhora da performance.

“Os funcionais são exercícios fundamentais para o corredor. Se todo mundo fizesse como deveria, pelo menos metade das lesões não existiria”

Para Claudio Cotter, especialista em posturologia e reabilitação de atletas da clínica CM2 Fisioterapia, em São Paulo, o ideal é empurrar o chão com a musculatura dos pés como ponto de partida da propulsão da passada, como fazem os maratonistas profissionais. Essa propulsão pode ser comparada a uma mola, já que se contrai e libera a força acumulada, empurrando o corpo para cima e para frente.

“Quem alonga muito a passada para frente passa o centro de gravidade. Nesse instante, em que o pé está à frente do centro de gravidade, toda a carga está indo para tornozelos, joelhos, quadril e coluna”, ressalta Cotter. “Há quem diga que a correção atrapalha a performance, mas, com o tempo, você preserva suas articulações. Performance também é sua longevidade dentro do esporte. Se o treinador corrige diariamente o movimento do aluno, ele vai automatizando aquilo. O aluno tem que entender que o trabalho de correção do movimento é a longo prazo.”

Joelho: O ponto fraco das mulheres para ter lesões durante a corrida

As diferenças fisiológicas entre homens e mulheres cobram um preço maior sobre a ala feminina quando o assunto é lesão no joelho. Distúrbios patelofemorais e lesões do ligamento cruzado atingem duas vezes mais mulheres que homens. “Como a mulher tem o quadril mais largo, desvia a linha de força do corpo e sobrecarrega o joelho. Observando a foto de um homem normal, a linha de força passa pelo corpo em uma linha reta. Na mulher, forma-se um ângulo no joelho, sobrecarregando essa articulação”, explica a ortopedista Ana Paula Simões.

A arquitetura óssea das mulheres, aliada à falta de hábito de uma parcela das atletas de trabalhar o fortalecimento muscular, gera um desgaste maior na cartilagem do joelho, que não acompanha a exigência física da corrida em algumas ocasiões.

Prevenção: A Importância do Fortalecimento Muscular

Mesclar a corrida com exercícios de fortalecimento muscular é um atalho para afastar boa parte das lesões durante a corrida. No entanto, nas assessorias esportivas, é comum ver alunos conversando durante a realização de exercícios funcionais ou fazendo as atividades pela metade.

Uma pesquisa feita por Samir Daher, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, comprova que os corredores dão de ombros para o reforço muscular. Aproximadamente 72% dos atletas consultados não faziam qualquer tipo de exercício de fortalecimento. “Os funcionais são exercícios fundamentais para o corredor. Se todo mundo fizesse como deveria, pelo menos metade das lesões não existiria”, diz Ana Paula Simões.

A declaração da ortopedista é reforçada por uma estatística que mostra que um músculo bem trabalhado e fortalecido ameniza a força do impacto da passada em até 70%. Ignorar os membros superiores também é outro erro comum entre quem corre. Quase 4% dos corredores não concluem provas em razão de dores nos ombros.

“Performance também é sua longevidade dentro do esporte”

Baixe o artigo completo: Guia de Lesões

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Dra. Ana Paula Simões
Médica do esporte, ortopedista e traumatologista, professora instrutora e mestre pela Santa Casa de São Paulo, especialista em medicina esportiva e cirurgiã do tornozelo e pé.

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