Síndrome compartimental na corrida: por que a perna fica dura?
Entre os corredores, dor na perna após a corrida é uma queixa bastante comum. Muitas vezes, o incômodo é atribuído à fadiga muscular ou à canelite, mas existe uma condição menos conhecida e frequentemente subdiagnosticada que também causa rigidez e dor nas pernas: a síndrome compartimental de esforço crônico.
O sintoma mais relatado por quem sofre com essa síndrome é a sensação de que a perna endurece ou trava durante a atividade física, acompanhada por dor, formigamento e perda de força. Esses sinais costumam desaparecer com o repouso, o que dificulta o diagnóstico. Entender o que causa a síndrome compartimental e como diferenciá-la de outras lesões é fundamental para qualquer corredor que deseja manter uma rotina segura e iniciar um tratamento adequado.
O que é a síndrome compartimental e como ela afeta os corredores?
A síndrome compartimental acontece quando há um aumento da pressão dentro de um dos compartimentos musculares da perna, áreas delimitadas por fáscias rígidas que envolvem os músculos, nervos e vasos. Durante a prática de exercícios, os músculos se expandem e a pressão interna nesses compartimentos aumenta naturalmente. Contudo, em alguns casos, essa pressão ultrapassa níveis toleráveis e comprime as estruturas internas, dificultando a circulação sanguínea e a condução nervosa.
No caso da síndrome compartimental de esforço crônico (SCEC), esse aumento de pressão acontece somente durante a prática esportiva e regride com o repouso. Diferente da síndrome compartimental aguda, que é uma emergência médica geralmente associada a traumas intensos, a versão crônica, embora com menor gravidade, compromete significativamente o desempenho do atleta e a qualidade de vida.
Nos corredores, essa síndrome costuma afetar os compartimentos anteriores e posteriores da perna. A dor costuma aparecer entre 10 e 20 minutos após o início da atividade física e é caracterizada por uma sensação de aperto, inchaço ou queimação. Ao interromper a corrida, os sintomas desaparecem em poucos minutos.
Essa evolução cíclica — dor com esforço e alívio com repouso — é a principal característica que distingue a síndrome compartimental de outras lesões músculo-esqueléticas. Entretanto, como ela não deixa sinais aparentes fora da corrida, pode acabar passando despercebida por médicos não familiarizados com a condição.
Sintomas típicos da síndrome compartimental de esforço crônico
Os sintomas da síndrome compartimental de esforço crônico são característicos, mas podem ser confundidos com outras patologias quando não há atenção ao padrão da dor e à dinâmica dos treinos. O sintoma mais marcante é a dor crescente durante o exercício, acompanhada de uma sensação de endurecimento da perna. Muitos atletas relatam que a perna fica dura, pesada ou incontrolável, principalmente após os primeiros minutos de corrida.
Além dessa dor, o atleta também pode relatar:
- Fraqueza muscular progressiva durante a atividade física
- Formigamento ou dormência nos pés e dedos
- Inchaço visível ou sensação de distensão no compartimento afetado
- Sensação de queimação ao longo da perna
Esses sinais costumam aparecer de forma bilateral, mas podem ocorrer em apenas uma perna. O mais importante é identificar quando os sintomas se iniciam e desaparecem, para que o tratamento adequado seja implementado através de um diagnóstico preciso. Em alguns casos, o atleta relata uma dor tão intensa que é obrigado a interromper completamente o treino.
É muito comum que o corredor tente adaptar sua corrida para suportar esse incômodo, modificando sua pisada ou reduzindo o ritmo, o que pode gerar compensações em outras regiões e levar a lesões secundárias. Por essa razão, escutar os sinais do corpo é fundamental para não transformar uma condição tratável em um problema crônico.
Diferenças entre a síndrome compartimental, canelite e fraturas por estresse
Embora a síndrome compartimental de esforço crônico compartilhe sintomas com outras lesões que afetam a perna, ela apresenta características que ajudam na diferenciação clínica. A principal confusão ocorre com a síndrome do estresse tibial medial (canelite) e com as fraturas por estresse — condições bastante comuns entre corredores.
Na canelite, a dor se apresenta mais difusa e localizada na borda medial da tíbia. Esses sintomas surgem após o treino e melhoram com repouso, mas tendem a voltar com o esforço contínuo. A região costuma ficar sensível ao toque, e a dor pode persistir mesmo fora das atividades físicas em casos mais avançados.
Já as fraturas por estresse causam dor pontual, geralmente em um único ponto do pé ou da tíbia, com aumento progressivo de intensidade. Diferente da SCEC, essa dor tende a se tornar mais constante, mesmo em repouso, podendo vir acompanhada de inchaço ou calor no local.
No caso da síndrome compartimental, o quadro é mais reprodutível: o corredor inicia sua atividade, sente dor e rigidez após um período específico e os sintomas desaparecem minutos depois que ele para. Não há sensibilidade ao toque fora do treino nem dor espontânea.
Leia também: Canelite na corrida: dor na perna pode ser grave?
Diagnóstico e tratamento da síndrome compartimental na corrida
Para confirmar a suspeita, pode-se realizar a medição da pressão dentro dos compartimentos musculares através de um exame específico feito com agulha e monitor de pressão. Esse teste, embora pouco realizado, é considerado padrão-ouro para o diagnóstico da SCEC.
O tratamento da condição depende da gravidade e da resposta do paciente às intervenções conservadoras. Nos casos leves ou moderados, pode-se iniciar com fisioterapia voltada para a melhora da flexibilidade, correção biomecânica e fortalecimento muscular, além de mudanças no padrão de pisada.
Também se recomenda a adaptação da rotina de treinos, com redução de volume e intensidade e alternância de atividades, utilizando sempre calçados adequados ou palmilhas ortopédicas quando necessário.
Nos casos em que não há uma boa resposta ao tratamento conservador, a intervenção cirúrgica pode ser necessária. A fasciotomia, que consiste na abertura da fáscia para aliviar a pressão do compartimento, é uma alternativa com alta taxa de sucesso e retorno esportivo satisfatório. É necessária uma avaliação criteriosa para realizar qualquer procedimento cirúrgico, de forma que é fundamental contar com a ajuda de um ortopedista da sua confiança.
Prevenção da síndrome compartimental e cuidados com a saúde das pernas
Embora nem todos os casos de SCEC possam ser prevenidos, existem algumas estratégias que ajudam a reduzir o risco de desenvolver essa síndrome, principalmente entre atletas iniciantes ou em fases de progressão de treinos.
A primeira medida é garantir um aumento gradual na carga de treinos. Elevar abruptamente o volume ou intensidade das corridas é um dos principais gatilhos para favorecer sobrecargas musculares e alterações no fluxo sanguíneo. A regra dos 10% por semana costuma ser ideal para o aumento do volume semanal dos treinos.
Também é importante manter uma boa flexibilidade muscular e trabalhar o fortalecimento dos músculos da perna, tornozelo e pé. Quanto melhor condicionada estiver a musculatura, melhor será a distribuição de pressão nos compartimentos e a redução da tensão sobre as fáscias.
A síndrome compartimental de esforço crônico é uma condição que merece atenção. A dor que surge sempre durante a corrida, acompanhada de rigidez e sensação de peso nas pernas, não é apenas um sinal de cansaço — é um sinal de um distúrbio funcional que compromete a sua performance e qualidade de vida.
Se você sente que sua perna trava ou endurece de forma recorrente durante os treinos, procure ajuda de um ortopedista da sua confiança. Agende sua consulta no tel abaixo.
Bons treinos, valentes!
DOC ANA
11-25079021
@DraAnaPsimoes!

Dra. Ana Paula Simões Médica do esporte, ortopedista e traumatologista, professora instrutora e mestre pela Santa Casa de São Paulo, especialista em medicina esportiva e cirurgiã do tornozelo e pé.

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